Diário de Antônio Oliveira #02

Caetano Barsoteli
2 min readAug 13, 2022

Fragmentos de um escritor recolhido.

by Alexandra Cool in Moments of Writing

Tenho paúra de ser comum. Meu maior pavor é cometer platitudes. Se as cometo, sou capaz de encarcerar a mão que escreve e proibi-la os instrumentos de grafia. Não há nada mais criminoso para a pena e a tinta de um prosador inseguro e metido a besta do que dizer mil e uma a coisa já dita mil vezes. Como se pôr letras num papel fosse o mesmo que escapar de um comboio de banais que vem vindo no encalço. Para escrever algo que valha me é preciso foragir. Ficar é sempre um lugar-comum. Ficar é sempre comigo, e não há nada que me interessa menos. As margens da página, lá para onde encaminho a frase, são um estrangeiro. Sua língua ainda não inventada. Seu povo sequer é povo. Eu nem sei se quem escreve é quem escrevo.

Todo mundo dorme. A casa dorme. Até o sono descansa. Eu, não diferente de todos e tudo, também durmo. Mas durmo sobre a máquina a datilografar. Sonâmbulo, fabulo o enredo dos sonhos dos sonhadores.

Sou homem produtivo e preguiçoso. No escritório, me enguiça a preguiça dos números e das letras que dizem nada sobre nada. Exceto ao meu patrão, com quem nada me pareço. Após o expediente, em meu quarto, produzo com sono e sonho o que me torna produtivo. É nessa produtividade lenta e ébria, sem prazo nem preço, que me pareço mais com o meu irmão, o neandertal, forjando um porrete bonito revestido de pele de guepardo. Um dia, matarei meu patrão com minha poesia.

Vai. Vem. Ri. Chora. E no entanto é tudo a mesma coisa.

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Caetano Barsoteli

Tradutor ▪ Poeta ▪ Dramaturgo ▪ Ficcionista ▪ Educador